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domingo, 8 de dezembro de 2013

Folclore Quimbundo - Angola

Folclore Quimbundo – Angola

Quem perde o corpo é a língua

Conta-se em Angola que há muito tempo um caçador, voltando para sua aldeia, encontrou uma caveira num oco de pau. Assustado, olhou desconfiadamente de um lado para o outro, temendo alguma armadilha ou uma das muitas artimanhas dos espíritos que faziam da floresta seu lar. Mesmo ainda muito espantado, tomou coragem e se aproximou para observar. Nesse momento, a Caveira chamou-o e pediu:
— Chegue mais perto, caçador, que eu não mordo,
não! Mas quem diz que ele a atendeu. Mais desconfiado do que propriamente assustado, o caçador ficou onde estava e somente depois de mais algum tempo juntou um restinho de coragem e perguntou:
— Quem a pôs nesse lugar, Caveira?
— Foi a Morte, caçador — apressou-se ela a responder.
— E quem a matou?
Enigmática, os olhos brilhando nas órbitas vazias, a
Caveira voltou a responder:
— Quem perde o corpo é a língua!…
O caçador voltou para casa e contou aos companheiros o que acontecera. Ninguém acreditou, mas conversa
vai, conversa vem a história da Caveira que falava no meio da floresta foi se espalhando, espalhando, até que
muita gente dela falava.
Dias mais tarde o caçador passou pelo mesmo pedaço escuro e sombrio da floresta e tornou a ver a Caveira no mesmo lugar, ajeitada caprichosamente num oco de uma enorme e igualmente assustadora árvore.
Tornou a fazer as mesmas perguntas e, como era de esperar, ouviu as mesmas respostas. Mais que depressa o caçador correu para a aldeia e, todo orgulhoso de si mesmo, pois afinal era o único que encontrava e conversava com a misteriosa Caveira, teimou em contar a história aos companheiros. A verdade é que tanto ele contou que muitos começaram a ficar com raiva dele… afinal de contas, que Caveira era aquela que só falava com ele?
E por quê? Seria mentira?
Por fim, acabaram dizendo:
— Vamos ver essa tal Caveira de que fala tanto, mas ouça bem: se ela não disser coisa alguma que se pareça com tudo isso que você tem dito a nós, vamos lhe dar lá mesmo a maior surra de pau que você já levou pra deixar de ser mentiroso, ouviu bem? Certo que a Caveira não o decepcionaria, mais do que depressa o caçador os conduziu até a sua estranha companheira.
Vendo-a, apressou-se em lhe fazer as tais perguntas de que tanto falara, mas a Caveira não murmurou sequer qualquer coisa. Calada estava, calada ficou. Mais o caçador perguntava e mais ela ficava calada. Nem um “ai”, quanto mais uma resposta.
Diante dos olhares ameaçadores dos companheiros, ele ainda tentou argumentar, dizer qualquer coisa, encontrar um jeito de…
Mas ninguém quis saber de conversa e muito menos de explicação. Caíram sobre ele com toda a raiva do mundo e deram-lhe uma grande surra. A maior que já levara. Foram embora reclamando muito e gritando:
— Mentiroso!
Pobre caçador!
Todo machucado, o corpo dolorido, ficou estirado no chão, gemendo. Só com muito esforço, conseguiu forças para ficar de pé. Quando finalmente conseguiu se levantar, olhou cheio de raiva para a Caveira
e resmungou:
— Olha bem, coisa do diabo, o que fez comigo! Os olhos dela cintilaram quase zombeteiramente e, depois de algum tempo, ela afirmou:
— Quem perde o corpo é a língua, meu amigo, é a
língua…
E cá entre nós, com toda razão!
O caçador, bem machucado, foi para casa e, dessa vez, calou-se, guardando para si aquilo que somente
ele ouvira. Mukuendangó, Mukúfuangó, Mukuzuelangó, Mukuiangó. (Por andar à toa, morre-se à toa; por
falar à toa, vai-se à toa!)
Júlio Emilio Braz